Fala Mestrão! Já se deparou com aquele momento em que teus jogadores querem passar uma hora se preparando para começar uma aventura e acaba tirando o tempo do jogo? Ou já chegou num ponto da campanha que o ritmo do jogo tá meio previsível? Acho que você precisa conhecer o trope narrativo chamado “Time Bomb”.
O que é Time Bomb?
Essencialmente, essa é uma técnica amplamente conhecida por sua presença em diversas mídias, como filmes, séries, jogos e mais. Ele envolve uma situação em que uma bomba, seja literal ou metafórica, está prestes a explodir, ameaçando personagens e o mundo da história com sérias consequências.
Em filmes da franquia 007, por exemplo, o protagonista enfrenta vilões com planos de destruição em larga escala, avançando conforme o tempo passa, enquanto os protagonistas precisam agir rapidamente para minimizar os danos. A iminência da destruição cria uma pressão sobre os personagens principais, desafiando-os a enfrentar essas ameaças enquanto lidam com a tensão constante, o que resulta em momentos intensos de ação e tomadas de decisão rápidas.
Outros exemplos são mangás e animes como Evangelion, onde em certo episódio, um robô alimentado a energia nuclear, é criado para substituir os Evas, mas seu teste foge do controle, colocando toda cidade em risco. No mundo dos jogos, um exemplo marcante é The Legend of Zelda: Majora’s Mask, onde a lua está prestes a cair, e nosso protagonista Link deve agir para impedir o desastre.
O uso do trope “Time bomb” pode proporcionar uma camada extra de emoção e desafio à sua mesa de RPG, criando momentos de alta tensão e intensificando a experiência dos jogadores.
Para resumir, a ideia principal aqui é criar um tensão por meio de algo terrível que está prestes a acontecer, podendo ser muitas coisas, como um serial killer, prestes a matar mais pessoas, cultistas querendo invocar uma entidade maligna que vai destruir toda a humanidade, ou um documento sigiloso que vai colocar toda a ordem mundial abaixo.
Umas das primeiras coisas interessantes em usar o trope é a alteração de ritmo na narrativa, criando uma atmosfera de tensão e urgência na história. O jogo automaticamente se torna mais rápido, com os jogadores se sentindo motivados a agir rapidamente para resolver o problema, ou, em último caso reduzir os danos que possam ser causados.
Nesses momentos de extrema urgência, o ideal é que tudo deve ser feito com calma, mas a tensão impede que seja assim, por isso, esse trope cria momentos em que toda decisão tem um peso crítico, o que cria momentos dramáticos na história. O tempo limitado até a explosão da “bomba” aumenta a intensidade da narrativa, tanto para o mestre quanto para os jogadores.
Além desses pontos, resolver uma “situação-bomba”, por assim dizer, pode ser um desafio complexo que exige raciocínio rápido e habilidades estratégicas dos personagens dos jogadores. Isso pode proporcionar oportunidades para resolver quebra-cabeças, usar habilidades especiais e trabalhar juntos como uma equipe para superar os obstáculos, o que é interessante para integrar o grupo.
Mas como se descreve uma situação assim?
Vou pegar algumas histórias de uma das minhas campanhas, dessa vez foi um Chamado de Cthulhu. Repare a situação e nas dicas:
1969
Rio de Janeiro
Por boa parte da nossa campanha, ambientada na ditadura militar, nossos jogadores acabaram ficando no fogo cruzado entre dois cultos: os militares e a irmandade da chave de prata. Em certo momento do jogo, nossos investigadores acabaram ficando na mão dos militares, por isso, sempre que surgia alguma situação escusa, eles eram enviados, para morrer ou para não envolver o grupo. Em uma dessas vezes um diplomata estadunidense foi sequestrado pela irmandade para ser sacrificado em um ritual a Yog-Sothoth, e, para evitar atenção e limpar, de certa forma, suas mãos, os militares incumbiram os jogadores de resgatá-lo antes que fosse tarde demais.
A bomba está lá…
Fazer os jogadores entenderem a gravidade da situação e o peso das consequências, é essencial para estabelecer a tensão na narrativa. Como no exemplo, NPCs agindo com pressa para lidar com a situação do seu modo é uma forma de demonstrar uma urgência trazida a todos os envolvidos com a trama. Ao deixar claros esses indícios, de forma impactante, os jogadores podem rapidamente entender a situação e agir de forma apropriada para enfrentar o desafio.
– Isso que dá ficar devendo favor pra militar… – Alves resmunga, terminando de ler a carta.
– E é nessa brincadeira que a gente vai morrer – resmungou Beto de volta.
– Certo… mas a gente não tem escolha, tem? Tudo que a gente precisa é pensar com calma agora…
– CALMA? TU QUER PRA EU TER CALMA? A ESSA ALTURA ELES JÁ DEVEM TER DEGOLADO O CARA!!
– Bicho, pra começar, procura te acalmar… Liga pros outros e manda eles procurarem pelo carro que levou o gringo, e avisa pra Priscila ver se ela sabe desse ritual da carta.
E agora todo mundo sabe disso…
O que você faz quando descobre uma bomba? Você grita, pede ajuda ou desarma? A gente pode tentar desarmar, mas outras pessoas certamente vão gritar. O alarde da situação pode adicionar uma camada de desafio para os personagens dos jogadores. Confrontados com a situação ao seu redor, os personagens enfrentam dilemas sobre como equilibrar a resolução do problema e a necessidade de lidar com as repercussões trazidas pelo alarde. Apesar disso poder ser uma coisa fora da resolução do problema, o alarde serve como um lembrete constante do peso das escolhas dos personagens e das consequências de suas ações, tornando o desafio ainda mais imersivo e significativo dentro do jogo de RPG.
– QUE MERDA É ESSA, ALVES?- berrou a voz no telefone.
– O que foi que teve, Chagas? Tô lidando com a situação…
– Liga no noticiário…
“… A polícia segue trabalhando no caso. A vítima, Phillip Tessen, foi levado da porta do seu apartamento no bairro do Catete…”.
– …
– Alves? Responde desgraçado!
O tempo está correndo…
Na hora que os ponteiros começarem a rodar, a relatividade do tempo assume um papel crucial, tanto dentro do jogo de RPG, quanto na percepção dos jogadores. Enquanto os minutos parecem se esticar indefinidamente para os personagens, cada segundo se torna precioso e intensamente sentido. A contagem regressiva implacável do caso cria uma sensação de urgência que distorce a noção de tempo, levando os personagens a agirem com pressa para lidar com a ameaça antes que seja tarde demais. Essa relatividade do tempo pode ser uma carta na manga durante a narrativa, nem todo segundo precisa ser milimetricamente igual ao outro. Tome a liberdade de esticar ou encurtar o tempo à medida que parecer necessário.
– Beto me diz que você já sabe de alguma coisa… – diz Alves pelo telefone público.
– Fui atrás da placa do carro que viram levando ele, não achei nada mas eu tenho o modelo do carro…
– Bicho corre e cuidado se o Chagas te ligar, acho que ele ta atrás da gente porque deu o sequestro na TV… algum dos outros achou alguma coisa?
– Priscila falou que sabe o que os cultistas vão fazer. Ela disse que pra esse ritual a lua precisa tá minguante…
– Quando é isso?
– Domingo…
– Hoje já é sexta…
(um disclaimer: os homens do Chagas não estava perseguindo o grupo, ele tava atrás do carro, e Alves pensou que estavam procurando por ele)
Você pode tentar…
Incentivar a criatividade dos jogadores durante uma situação como essa é crucial para tornar a experiência de RPG mais envolvente. Ao oferecer espaço para contribuições criativas, como explorar o ambiente em busca de recursos improvisados e usar habilidades especiais de forma inteligente, os jogadores são incentivados a pensar de maneira não convencional e a trabalhar em equipe para resolver o problema. Introduzir elementos interativos no cenário e recompensar ideias criativas valoriza a participação dos jogadores na narrativa.
– Alves, não consegui achar o carro…-diz Beto, já sem voz.
– Inferno, eu também não consegui pensar em nada pra gente fazer…
– Porque essa merda teve que ser com a gente…
– Calma… Esse ritual pode ser feito de qualquer jeito? Não precisa ter um lugar específico?
– Priscila disse que tinha que ser num lugar alto…
– Então a gente pode não saber onde eles estão, mas a gente sabe onde eles vão estar…
Talvez você não consiga…
Criar momentos dramáticos na narrativa é essencial para manter os jogadores engajados e imersos na história. O mestre do jogo pode aumentar a tensão e a emoção ao descrever vividamente os detalhes sensoriais e emotivos do ambiente, como o som constante da marcha das tropas, a visão séria no rosto dos combatentes. Ao criar esses momentos de alto impacto narrativo, o mestre de jogo mantém a energia e a emoção elevadas, garantindo uma experiência emocionante para todos os envolvidos.
– Chagas?
– Alves?
– Sim… olha, a gente não descobriu onde ele estava, mas a gente sabe onde vai acontecer o ritual, na Pedra da Gávea ou no Pico da Tijuca. Ao que parece vai ser depois da meia-noite, a gente vai para o Pico, é bom que você esteja prontificado na Pedra.
– Tu é um sujeito muito petulante Alves… mas certo.
Mas você não vai saber se não tentar…
Introduzir reviravoltas na narrativa é uma maneira poderosa de manter os jogadores envolvidos. O mestre de jogo pode criar reviravoltas emocionantes, como revelar que o ritual não está no local indicado inicialmente, essas reviravoltas adicionam camadas de complexidade e desafiam os jogadores a adaptarem suas estratégias e pensarem de forma criativa para resolver a situação. Ao apresentar reviravoltas bem cronometradas e significativas, o mestre de jogo mantém o suspense e a tensão elevados, principalmente nos momentos finais, mantendo os jogadores completamente envolvidos na história. Dessa forma, a conclusão do caso se torna ainda mais satisfatória e gratificante, deixando os jogadores ansiosos pela próxima aventura que os aguarda.
Muito bom!