Primeiros Contatos

Um grupo de aventureiros retorna com seu valioso tesouro, mas são encurralados por estranhas criaturas desconhecidas em uma caverna. Não há saída, eles não tem escolha, o confronto é inevitável.

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Primeiros contatos

Primeiros Contatos

O teto da caverna gotejava, cheiro forte de mofo e umidade. O ar era pesado, denso, cadavérico. Sentia como se fosse me afogar a cada inspiração. Eu carregava o ouro e o olho de Sarkhan, a gema esférica de brilho lilás que iria nos livrar da maldição. Os outros estavam ocupados com seus armamentos.

Tínhamos um grupo de criaturas em nosso encalço. Eles nos viram entrar aqui. Eu queria acreditar que aquele lugar seria o suficiente para fazê-los desistir. Mas aqueles nojentos eram muito gananciosos. Ele vieram.

Tudo era pesado, o equipamento, a responsabilidade. Respirar ali era uma luta, seja pela atmosfera parada, por sabe-se lá quanto tempo, ou talvez porque o lugar era pequeno demais. Era um labirinto de corredores baixos, perfeito para uma defesa. Para ganhar tempo.

– Comandante, acho que aqui é um bom lugar para uma emboscada.

Eu hesitei, teríamos que nos separar. Nada naquilo parecia ser uma boa ideia. Mas se tínhamos alguma chance era ali. Nos encontros de corredores formava-se uma câmara com muitas entradas e vários possíveis ângulos de ataque.

– Então monte aqui algumas armadilhas para distraí-los. Quando os nojentos acharem que caíram no pior você pula sobre eles. Lembre meu amigo: ataque rápido e certeiro, e depois fuja para o fundo.

Montamos três núcleos de emboscada como aquele. Era um plano ruim, desesperado. Era o que nos restava.

Estávamos nas terras daquelas criaturas cruéis e irracionais. A ideia era chegar até a grande montanha onde finalmente estaríamos de volta ao lar. Tinha sido uma jornada sem igual. Conseguimos a joia fabulosa que nosso grande líder usaria para nos salvar do feitiço antigo. Na ida, era inverno e os inescrupulosos estavam enfiados em suas tocas. Passamos junto com a neve e sob o manto da noite e das nuvens. Agora já era verão e aqueles vermes estavam alertas. Me lembro como se tudo se repetisse agora em minha frente.

Nosso mestre fora ferido e deu a ordem telepática de imediato.

– Saiam daqui! Para dentro do pântano! Se escondam, eu voltarei. Só preciso que ganhem tempo!

Seus olhos brilhantes me encaravam enquanto ele lutava sozinho contra vinte ou mais daquelas criaturas. Eles eram todos iguais, exceto por três que se destacavam. Eram estranhos, alienígenas quase. Eu queria pular no pescoço deles. Arrancar-lhes as tripas. Esfregar na cara deles a própria selvageria com que nos caçavam. Mas eu fugi. Obedeci o comando de nosso líder.

Já perto de entrar aqui, neste inferno, nós o vimos escapando. Ganhou o tempo que precisava para nos escondermos. Só não acabou com eles ali mesmo pois estava exausto da batalha contra o guardião. Ele voltaria reforçado, isso era certo. A questão é, estaríamos vivos até lá?

Um barulho estridente ecoou na caverna, me trazendo de volta ao presente.

– Começou

Deixei o tesouro escondido e fui ao primeiro grupo de emboscada.

Eles eram três. O que vinha na frente estava coberto em um tipo de carapaça cinza, brilhante e lustrosa. Tinha um longo ferrão que saía de uma das patas e algo estranho e bem mais curto na outra. Uma glândula inchada talvez? Não dava para ver, ele parecia escondê-lo trazendo-o sempre junto ao corpo.

– Cuidado com aquilo. – avisei meus soldados – Pode ser algum elemento surpresa.

Sim eles eram todos bípedes. O que poderia levar quem não os conhecesse a achar que eram criaturas minimamente evoluídas. Terrível engano.

No meio vinha um menor. Não tinha carapaça. No lugar, uma membrana nojenta. Algum tipo de pele flácida e ondulante cobria-lhe praticamente todo o corpo formando pelancas e unindo tudo numa coisa só. Uma parte se arrastava pelo chão. Não dava para distinguir os membros de tão encobertos pela membrana azul-arroxeada.

A cabeça era maior que a do encouraçado, e era pontuda. Ele as vezes mexia o que deveria ser os membros superiores e fazia uns sons estranhos. Cada pseudo braço terminava em pequeninos tentáculos que se mexiam como se tivessem vida própria. De onde deveria ser o rosto saíam arbustos com minúsculos cipós em palha que cresciam para baixo. Acho que algum fungo brotou na cara daquela criatura infeliz.

Senti um pouco de suco estomacal subir quente, vindo até a garganta. Respirei fundo aquele ar podre. Tinha que manter a moral de minhas tropas.

O terceiro tinha aparência menos aterradora, mas por algum motivo era o que mais me assustava. Ele se movia de forma diferente, ondulando pelo caminho como uma cobra. E, na maior parte do tempo, andava com as quatro patas no chão. Ele não tinha couraça e nem pele flácida. Era um bicho de couro, ou escamas talvez. Difícil identificar. Ele parecia ter uma consciência sobrenatural sobre o ambiente, pois mesmo naquela escuridão, ele dava um jeito de sempre andar pelas veredas mais sombrias.

Era bem menor que os outros. Talvez porque andasse como um sapo, todo encurvado. A cabeça pequena se mexia freneticamente observando a tudo, como um passarinho assustado.

O encouraçado caiu na primeira armadilha. Eu quis pular, mas meu subordinado me lembrou que eu deveria comandar toda aquela defesa desesperada. Nós cometemos o erro de atacar o da carapaça. De minha posição escondida vi nossos ataques resvalarem inúteis. O ferrão dele era afiado e dilacerou meus guerreiros.

Não, eu não tinha o privilégio de poder virar a cara e sair. Eu tinha que assistir ao massacre. Tinha que aprender do que aqueles monstros eram capazes. O mais nojento deles, coberto por sua membrana nauseante, era talvez o mais terrível. Ele cuspia ferrões esverdeados. O terceiro desapareceu. Não consegui localizá-lo no frenesi do combate.

Meus amigos estavam todos mortos, braços, cabeças e pernas espalhados pelo chão. Não tinha tempo para chorar, meus olhos derramavam involuntariamente. Não foi em vão. Agora nós tínhamos um alvo. Encontrei o segundo grupo de emboscada e mandei chamar o outro batalhão, o último.

– O da carapaça é resistente demais e o terceiro elusivo demais. Assim que eles caírem na próxima armadilha nós pulamos naquela membrana gelatinosa ambulante.

– Você não comandante. – ele me lembrava de meu dever.

– Sim, sim. Vocês pulem nele e não me importo se estiverem com nojo do que for que sair de dentro daquele bicho. Podem vomitar mas matem ele rápido! Nesse momento o segundo grupo entra. O de couro, esquivo, provavelmente vai se mostrar aí vocês acabam com ele. Deixamos o da carapaça pro final.

Parecia um plano bom, não fosse por um detalhe: Agora o sapo do abismo estava na frente do grupo e o membranoso estava colado atrás do encouraçado. Até aí nada demais. O problema é que esse que ia na frente, o maldito verme, tinha algum órgão sensorial diferente dos outros. Ele fez o impossível: encontrou nossa armadinha e com seus braços fininhos ele se mexeu e desfez nosso trabalho.

Desgraçado! Quando foi que esses bichos ficaram tão espertos? Os batalhões estavam escondidos mas os monstros vinham de encontro à sua posição. O que fazer? Recuar? Reestruturar o ataque? Não deu tempo. Se eu, que era mais velho e mais experiente, estava assustado, imagine meus pobres combatentes.

Um deles se afobou. Liderou o ataque correndo e gritando. Ferrões. O sapinho do inferno cuspia ferrões também. Negros e finos como agulhas. Mas a distração funcionou e eles desfizeram sua formação. Os nossos fizeram uma parede de sacrifício para atacar pelo flanco. Uma manobra desesperada que absorveu os golpes do carapaça e os espinhos verdes disparados pelo membranoso.

O último soldado, que vinha protegido pela parede, conseguiu atacar antes de morrer. Com o machado cortou um bom pedaço da membrana, que se rasgou. Uma faísca azul explodiu, iluminando a escuridão por um instante.

Meus ouvidos zumbiam num agudo insuportável. Não conseguia ouvir nem mesmo meu coração. Apenas sentia as marteladas tremendo em meu peito. Recuperei a visão apenas para ver meus companheiros exterminados como gado. Mas pelo menos a criatura membranosa estava caída. Sangue vermelho, como o nosso, escorria.

Eu estava sozinho. Aquelas criaturas eram terríveis, monstros sem sentimento que matam por prazer e por diversão. E essas mutações que nós enfrentamos aqui vão além. Eles são poderosos e astutos. Mas algo fez fraquejar minha determinação.

O encouraçado removeu a parte da carapaça que lhe cobria a cabeça, era um elmo. Lágrimas? Eles… choravam? O pequeno ardiloso se expôs pela primeira vez, estava chorando também. O encouraçado pousou as mãos no membranoso e entoou um cântico. Sua voz grave e afinada preencheu na caverna. Eles estavam de costas e vulneráveis, eu devia ter atacado e acabado com aquilo.

Pela primeira vez vi seus rostos limpos, sem pinturas nem coberta por nada. Faces contraídas. Eu podia ver a dor ali. Os olhos pequenos brilhavam. Aqueles que entraram ali sem cometer nenhum erro agora baixavam a guarda pelo companheiro ferido que logo se levantou. Eles falaram de forma calma e pausada. Eu não sabia que eles podiam falar. Parecia com a língua dos antigos elfos. Fugi antes que me vissem.

Hora de cumprir meu derradeiro dever, escrever meu pergaminho e informar nosso mestre sobre todos os detalhes. Deixo este diário para que nosso povo e nosso líder possam estar cientes.

Meu senhor, perdoe o meu fracasso. Quando ler isso nós estaremos todos mortos, mas a missão será cumprida. Separei o olho de Sarkham em outra câmara. Morrerei nesta onde esparramei o ouro pelo chão. Os vermes gananciosos vão achar que eu estou lutando por essas peças douradas. Nossa armadilha final vai esconder o olho e, com sorte, facilitar a sua luta. Mestre … eles falam. Se são inteligentes, porque nos odeiam tanto?

Eu assopro o manuscrito usando a magia a mim ensinada. A informação voa até a mente do nosso líder.

***

Entrei na sala do tesouro com espada e escudo nas mãos. Aquele troglodita estava a assoprar um pergaminho que se desfez em fagulhas laranjadas. Elas flutuaram e saíram da câmara rapidamente.

– Não há vento aqui! Aquilo foi algum tipo de magia. Ele está pedindo reforços!

Falou Ignacius e seu chapéu pontudo. Ah como eu amava odiar o maldito esnobe. Quase morri do coração quando uma daquelas criaturas assombrosas pulou sobre ele com seu machado. Achei que ia perder meu amigo.

O ouro estava todo ali então eu conjurei a benção do senhor da luz e parti pra cima daquele monstro desgraçado. Nós já tínhamos livrado aquela caverna de todos os outros vermes nojentos, não ia ser aquele que ia me deter.

Gontildo se posicionou e cravejou o bicho de flechas. Criaturas malditas e ambiciosas. Ele ia lutar até a morte por um punhado de ouro. Mas algo estava estranho quando ele me ignorou e foi pra cima do mago. Eu aparei o seu golpe com meu escudo e finquei a espada na barriga dele. Ela ficou presa, não consegui puxar de volta. Olhei para seu rosto, os olhos estavam diferentes.

Ele estava… chorando? Ele jogou o machado e correu para cima de Ignatus gritando alguma palavra. Narg? Gnark? Meu velho amigo pisou em alguma pedra solta no chão. Uma picareta rudimentar, mas muito afiada, se desprendeu da parede numa velocidade impressionante. Sangue jorrou farto.

Ignatus estava de costas no chão. Num chiado tentava recuperar o fôlego. Em pé ao seu lado estava a criatura com minha espada e aquela estranha picareta ambas fincadas em seu tronco. Pela primeira vez ouvi a voz deles, falando devagar e calmo em algo que mais parecia um grunido. Andou até a parede, e sentou-se. Fechou os olhos.

– O que ele disse? – perguntei para Igantus que falava sei lá quantas mil línguas.

– Ele gritou cuidado e depois falou: “Desculpem. A gente só queria ir para casa.” Eles… eles falam a língua dos antigos dragões.

Ele coçava sua barba branca os olhos arregalados e vidrados. Meu estômago embrulhou como se tivesse comido uma rã viva que agora estava querendo sair. A entrada daquela câmara se alongou, afastando-se cada vez mais de mim, o teto girava numa velocidade terrivelmente lenta.

Eu sou… eu era uma paladino da justiça. Agora eu tinha os corpos deles pesando sobre mim.

– O que foi que eu fiz? – pensei em voz alta.

O dragão de antes rasgou o ar com um rugido demorado. Nós havíamos matados todos os seus amigos.

FIM

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