PRIMEIRAS IMPRESSÕES acerca do novo jogo do Jorge Valpaços, com Lucas Marques nas ilustrações e Bruno Prosaiko nas ilustrações e diagramação, pelo Lampião Game Studio e publicado pela AVEC Editora, sobre Investigadores de fenômenos paranormais.
O LIVRO
Comecei a ler esse novo RPG tão logo chegou. Sou fã descarado do Jorge Valpaços, acho ele o atual gênio do RPG brasileiro e, como todo bom fã, fiquei com água na boca quando o livro chegou.
A primeira coisa que você percebe ao abrir o livro é o trabalho artístico! Lucas Marques nas ilustrações e Bruno Prosaiko na diagramação simplesmente fizeram algo fenomenal (se me permitem a referência)! As ilustrações possuem um estilo cartoonesco, quase infantil, quando você analisa os traços. Lindo trabalho em Chiaroscuro, por sinal. Porém, quando você observa com atenção os detalhes, você percebe minúcias sórdidas e sangrentas, em total contraste com o traço arredondado e simpático do desenho em geral. Com uma expressão engraçada, os personagens retratados veem a cabeça de alguém ser explodida, por exemplo. Não sei vocês, mas eu amo esse tipo de contraste, como quando em uma cena extremamente gore em um filme tocam músicas orquestrais (tipo Laranja Mecânica).
A diagramação é de tirar o fôlego. Em um livro tamanho 23 x 19 cm, preto e branco e em papel Lux Cream de 90g (confesso que tinha preconceitos, mas adorei a sensação do livro na mão, li ele como se fosse aquele romance de terror lindo que carrego onde quero), o Prosaiko montou uma diagramação artística totalmente afinada com o tema do jogo, boa de ler, com ícones importantes nas laterais das páginas para a catalogação do texto e uma ótima trans
ição de fundo claro e escuro. O livro é gostoso de se ler, não só pela escrita fluida, mas principalmente pelo lindo arranjo feito pelo diagramador.
A escrita do Valpaços é, como sempre, extremamente pedagógica: não existe espaço para dúvidas, o professor passa o conteúdo de forma minuciosa e atenta. Pode ser, às vezes, demais para quem já tem familiaridade com os RPGs, como aconteceu comigo, me vendo na tentação de pular inteiros parágrafos enquanto eu lia, mas é essencial para quem chega agora ao hobby.
O CONTEÚDO
O livro começa com anedotas de poucas páginas, como que nos conduzindo ao longo de uma sessão de jogo. Os personagens desses contos/relatos possuem suas fichas dentro do livro, como material explicativo.
A AGÊNCIA
Após uma introdução, Arquivos Paranormais nos leva a entender como construir coletivamente a Agência, uma entidade viva e onipresente no jogo, à qual os personagens, aqui chamados Investigadores, sempre recorrerão para recursos, aceitação e mais casos.
Ela basicamente possui as seguintes características: Alçada, Escopo, Tom, Estrutura, Poder, Abrangência e Marcos e
Representações. Além dessas características, ela possui mais três elementos importantes que são sua Direção, a Divisão dos Investigadores e os Protocolos de Segurança.
A Alçada da Agência indica diretamente o tipo de organização que se deseja ter nas mãos: Elementar será uma Agência bem próxima às instituições que vemos em nosso mundo, como um FBI, por exemplo; Avançada é a Agência que possui tecnologia especial extremamente mais avançada ou aprimorada que aquela que temos em nosso mundo – um bom exemplo disso seria a organização da MIB – Homens de Preto; Paranormal é a organização que possui em suas fileiras seres com poderes excepcionais e que ultrapassam a barreira da nossa realidade, como o Bureau of Paranormal Research and Defence dos quadrinhos do Hellboy.
O Escopo é quantos recursos a Agência disponibiliza para os Investigadores. Com uma escala de graus de 1 a 3, quanto maior o Escopo, mais Benefícios os Investigadores terão inicialmente.
O Tom indica como o grupo quer levar o jogo, qual clima quer estabelecer. O livro traz quatro opções: Prosaico e Anedótico, Conspiratório e Místico, Heroico e Protetor e Profundo e Intenso. Esses estilos podem ser misturados, claro, mas o livro aconselha tentar manter essa mescla limitada a dois tons diferentes. Um exemplo de mistura de tons é MIB – Homens de Preto, que daria um jogo Prosaico e Anedótico com Heroico e Protetor. Estabelecer o Tom em conjunto é importante para evitar frustrações dos jogadores que não entenderam a pegada do jogo e se aventuraram de forma errada, talvez até levando seu personagem a ser marginalizado. Deixando clara a proposta do clima a ser seguido, todos podem desenvolver seus alter egos dentro dela e participarem de toda a narrativa sem problemas.
A Estrutura e o Poder da Agência são exatamente a obviedade que representam: como a Agência é organizada (hierarquia formal, como o FBI, ou talvez uma organização anárquica em que todos têm voz, como a Irmandade de Whiterun) e quão forte, influente ou conectada ela é com as demais organizações e governos no mundo criado. A Abrangência é relativa a quais casos a divisão dos Investigadores trata (Incidentes Diplomáticos Intergalácticos? Assuntos Vampíricos? Relações com os habitantes do Mundo Inferior?).
Enfim, você determina os Marcos e Representações da Agência, que indicam o que ela fez e como ela é no momento.
Se tiver a fim de conhecer novos RPGs, aproveita e entra na Câmara Obscura. Uma das campanhas que estou narrando é a de Awaken!
O DIRETOR
Cabe aqui um adendo sobre o Diretor da Agência. Ele é um personagem no jogo desenvolvido coletivamente, mas também é a representação do Narrador. Ele possui seu próprio drama pessoal e perfil, o que traz bastante profundidade à interpretação daquele que é, no fim das contas, o chefe dos Investigadores. Claro, o Diretor não vai a campo, mas achei uma excelente ideia para que o Narrador também tenha um bom espaço interpretativo com um personagem que não é mero coadjuvante, mas verdadeiro personagem de suporte.
OS INVESTIGADORES
Os Investigadores são os protagonistas do jogo. A ficha traz Perícias, que serão roladas quando a Tarefa relacionada for narrativamente significativa, o que é uma declaração clara de que o jogo não quer rolagens inúteis e pretende sempre levar a história adiante.
Acho que uma mecânica importante a ser evidenciada é a dos Marcadores de Protagonismo. Eles servem para serem usados quando o Investigador fizer algo que o coloque sob os holofotes narrativos, existindo várias mecânicas no jogo para que isso aconteça (desde re-rolagens, até poder ter um equipamento crítico em uma situação complicada). Quando esses Marcadores são todos preenchidos (são 7 e se esvaziam a cada Caso), o Investigador faz uma Consulta (como são chamados os testes com dados no sistema) com seu dado de Energia; o resultado pode inclusive tirar o Investigador de jogo DEFINITIVAMENTE!
Outro gerenciamento importante a ser observado no jogo é o dado de Energia, que indica a Vontade/Sanidade/Força Psíquica/Reserva Sobrenatural ou qualquer coisa que se adeque ao cenário criado pelo coletivo. Esse é o dado rolado quando os Marcadores de Protagonismo forem preenchidos e, se estiver muito baixo, o risco de algo muito ruim acontecer com o Investigador cresce exponencialmente. Ele começa com 1d12 e vai diminuindo de acordo com as vezes que o Investigador busca ajuda nessa força interna e metafísica.
O SISTEMA
O sistema de Arquivos Paranormais é o L’Aventure, o mesmo de Deloyal, mas com algumas adaptações para a proposta. Devo dizer que acho o sistema bem amadurecido e talvez Deloyal mereça uma segunda edição (fika a dika, ahahha)!!!!
Como são feitas as rolagens? Bom, cada Perícia possui um tipo dado correlacionado (d4, d6, d8 e d12), algo parecido com o que acontece em Savage Worlds, mas o resultado da rolagem é comparado aos valores de uma tabela de consequências, que bebe da fonte do Apocalypse World Engine. O importante é levar a história adiante e, por isso, uma falha não significa necessariamente que o Investigador não conseguiu resolver o problema imediato posto na frente dele, mas o Diretor ganha Consequências que serão colocadas para dificultar a vida dos Investigadores mais para a frente.
Além disso, o Investigador possui Minúcias (algo similar aos aspectos de FATE) que permitem que ele role dados Sob Boa Fortuna, ou seja, rolando dois dados do tipo relacionado com a perícia, sempre que o teste tenha correlação à Minúcia. Por exemplo, uma rolagem de Manipular para seduzir alguém será rolada Sob Boa Sorte se o Investigador possuir a Minúcia de Perícia ”Don Juan”.
O CASO
O Caso, em Arquivos Paranormais, deve, sempre que possível, corresponder a uma sessão de jogo. Ele é organizado em Minúcias do Caso, que são passos, ocultos aos Investigadores, que deverão ser cumpridos para aumentar o Dado de Resolução do Caso. Por exemplo, ”ajudar as pessoas presentes no restaurante’’ ou ‘’conseguir o cartão de acesso para o Laboratório Alpha”. Cada Minúcia dessas cumprida pelos Investigadores aumenta o Dado de Resolução em um passo. Ele começa em d4 e pode aumentar até d12, podendo também ser diminuído em um passo como Consequência de uma Falha em uma Consulta de Perícia.
Ao final do Caso, os Investigadores fazem a rolagem do Dado de Resolução e comparam o resultado na tabela apropriada, para descobrir o desfecho final. Após isso, o Diretor narra o Desfecho e aos Investigadores só sobrará a possibilidade de reagir a ele para mitigar possíveis consequências ruins.
SÉRIE E TEMPORADA
O livro traz também um importante capítulo de como costurar os Casos para criação de uma Temporada.
Parece um tema óbvio, mas às vezes é difícil manter tema e controle narrativo em várias sessões episódicas, como é a proposta de Arquivos Paranormais. Como sempre, Valpaços traz a maior quantidade de ferramentas possíveis para o Narrador do jogo, de forma a ajudar quem está começando e a aprimorar quem já é experiente.
SOBRE OS PROTOCOLOS DE SEGURANÇA
Uma menção honrosa precisa ser feita à incorporação da criação coletiva da Agência os PROTOCOLOS DE SEGURANÇA.
Todo jogo de RPG deve ser seguro para todos
na mesa, mas o que é essa segurança? Ela é simplesmente o respeito aos limites individuais sobre aquilo que será tratado, para que nenhum dos participantes sinta-se desconfortável ou ofendido com aquilo que aparece na ficção.
Os protocolos aqui são representados em 3 níveis: Amarelo, Laranja e Vermelho. Quando um Protocolo Amarelo for ativado, aquele assunto passa a ser tratado como Laranja, a narrativa para e uma conversa é entabulada com todos os presentes antes de retomar o jogo. Já protocolos vermelhos, quando ativados, interrompem imediatamente a sessão de jogo.
CONCLUSÃO
Arquivos Paranormais é um jogo fenomenal (eheh) que traz uma proposta e a cumpre até os ossos. Toda a estrutura sistêmica do livro é pensada em permitir que se jogue episódios de uma série investigativa, dando instrumentos de protagonismo aos jogadores e instrumentos de gestão ao narrador.
As artes, a diagramação, as mecânicas, tudo leva você a se imergir nas investigações de fenômenos paranormais e jogar profundamente, sempre privilegiando a interpretação, o crescimento emocional dos Investigadores e a história acima de qualquer coisa.
É um jogo lindo e que encontrará muito espaço nas minhas mesas!
LINKS!
Site do Lampião Games Studio para mais informações e downloads das fichas!
Site da AVEC Editora para adquirir sua cópia de Arquivos Paranormais!