[Âmago da meia-noite] Prólogo – “Obsediação”

O âmago da meia-noite está presente dentro de todos nós! Como lidar com ele é a diferença entre o bem e o mal. Descubra o mistério que envolve o interior de cada personagem em uma aventura de suspense, ação e aventura, junto de magias e itens mágicos dentro de uma fantasia épica em um novo cenário medieval.

Acompanhe a saga de Daniel, um garoto de catorze anos que mal superara seus problemas pessoais e Kai, o errante da espada prateada. Enquanto eles tentam reverter o feitiço que a bruxa Yulma lançou sobre a princesa, sem saber que nada é tão simples quanto parece.

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Autor: Fabricio Costa Rosa

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“Obsediação”

Em um mundo místico de reis e princesas, onde criaturas somente vistas em sonhos são reais e assustadoras. Labirintos se escondiam nas mais profundas cavernas e lobisomens trilhavam seus caminhos nas matas. Os mortos vivos se misturavam ao povo no meio dos festejos noturnos e goblins afiavam a ponta de suas setas junto ao alvorecer.

Em uma casa de madeira no centro de uma clareira, da qual uma fumaça subia por um buraco no teto, se ouvia o murmúrio de uma voz estridente de uma velha horrenda.

– A raiz da mancenilheira.

Uma mulher feia retira, de um amontoado de quinquilharias num baú de madeira, pedaços de raiz e entrega para a idosa que os despeja na água fervente do caldeirão.

– Omun salanak rogarien….

Sussurra a velha bruxa fazendo gestos circulares com a mão para direita e o conteúdo do caldeirão começa a girar em sentido horário, sem ser tocado por nada.

– O sangue do sacrifício – A Bruxa ordena. Um balde metálico é entregue em sua mão esquerda, ela derrama todo o sangue escuro no caldeirão, que muda a cor do líquido fervido, ficando preto. A fumaça para de subir pelo buraco no telhado e começa a descer, como uma névoa gélida. Aos poucos o caldeirão para de borbulhar.

– O vestido? – A ajudante pergunta estendendo uma roupa de criança esfarrapada, cor rosa claro e um laço rosa salmão na gola.

– Apenas o laço – Diz a velha parando o giro com a mão que, consequentemente, cessa a rotação da substância dentro do caldeirão.

Com uma faca rústica, a ajudante arranca o laço e entrega para a velha, esta sorri com dois dentes para o objeto e diz:

– Isso vai me render mais algumas verrugas – E deixa cair o laço no caldeirão recitando mais murmurações estranhas como um mantra.

Vagarosamente o laço afunda e a cor negra da mistura se torna transparente como água cristalina, a bruma ainda saía de dentro e se espalhava cada vez mais, cobrindo todo o chão. A imagem do laço descendo é lentamente substituída pelo reflexo de uma garota loira.

Mais que um reflexo, a visão nítida de uma jovem loira de belos olhos azuis pairava nas águas. A jovem estava sentada em frente a uma penteadeira, observando sua imagem distorcida em um espelho de prata.

As duas senhoras horrendas contemplam a cena, a mais velha mostrando sutil satisfação e com seu sorriso banguela, comenta:

– Ela está triste – Duas novas verrugas crescem instantaneamente na divisa de seu longo nariz, a velha passa o dedo no local, sem achar estranho e prossegue falando – Nós podemos usar isso.

A bruxa alonga os dedos da mão direita e vira o rosto para sua parceira dizendo:

– Vou me conectar.

Ela se inclina sobre o caldeirão, sua ajudante se afasta e começa a balbuciar palavras estranhas em um tom macabro. A velha enfia o braço direito no conteúdo do caldeirão, a imagem da garota se distorce por um breve instante. A bruxa grita de dor, fumaça sobe de seu braço submerso até a altura do cotovelo, sua boca aberta se torna um largo sorriso e ela gargalha tão alto quanto gritou.

A garota na imagem do caldeirão se vira assustada encarando seu quarto vazio. Era um local grande, com cama de casal coberta por uma cortina e dois baús na lateral. A loira se levanta do banco em frente a penteadeira e segue desconfiada para a janela da qual vê uma cidade grande, com diversos tipos de casas, as maiores feitas de pedra e as menores de madeira. A vista era de cima, a mais de doze metros do chão. Logo abaixo, uma muralha vigiada por soldados de armadura cercava o lugar. Seguindo o contorno da muralha, um fosso estava mais adiante.

Havia uma ponte levadiça na entrada que estava baixada sobre o fosso com dois vigilantes do lado de dentro e dois do lado de fora, os quatro com lanças na mão e espadas na cintura. Uma feira se espalhava pela rua da frente logo após a ponte, havia ambulantes de todos os tipos com suas tendas armadas e vendendo verduras, frutas, grãos, carne e peixe. Moradores locais transitavam, poucos forasteiros e pedintes por todo lado, um deles, sob um manto, era ignorado pelos guardas da ponte.

A menina retorna para o interior vazio de seu quarto. Sobre o caldeirão a velha suspira, contorce seu rosto em concentração e com uma forçada expressão de tristeza, lágrimas escorrem do canto de seus olhos. Achando cômico, a ajudante pergunta em tom de escárnio:

– Ainda se lembrando de seu último marido para ficar triste, Yulma?

– Não me faça rir no meio deste feitiço, pivete! É difícil se conectar com a tristeza, tudo parece engraçado para mim.

A velha Yulma contrai o rosto e chora, um choro feio e cômico, sua parceira segura o riso. Em outro lugar, mostrado no caldeirão, a bela jovem reúne as duas mãos sobre o busto, sua face fica cada vez mais infeliz. Ela vai até a cadeira, senta-se novamente e mira o espelho de prata. Os olhos claros tristonhos estavam fixos, demonstrando uma expressão pensativa.

– Isso mesmo minha princesinha, você é só imagem – Yulma diz para o caldeirão, com as lágrimas escorrendo sofridamente – Não passa de uma nobre, tire as riquezas de seu pai, sua aparência e o que lhe resta?

A princesa suspira, olha para seu vestido azul com babados brancos, seu decote fundo, sua cintura fina e seus calos nas mãos. A ajudante de Yulma mostra preocupação e comenta:

– Não será suficiente.

– Só estou começando – Yulma responde irritada, já não conseguia mais chorar, porém, forçando uma expressão terrível de melancolia. Ela se concentra e volta a falar para dentro do caldeirão – Você sabe a verdade, seu pai nunca lhe quis, era para ser um garoto, um sucessor digno, não você. É doloroso para ele lembrar disso toda noite, que a sua primogênita não passa de uma garota mimada, cheia de vontades e que não serve para herdar seu reino!

Uma falha surge no queixo da princesa, os olhos marejam e ela abaixa o rosto. Mesmo em sua tristeza, ela era bela e isso irritava Yulma.

– Essa afetou – A ajudante diz sorrindo, tinha mais dentes para exibir do que a velha.

– Não vai ser o suficiente – Yulma diz nervosa, havia malícia no olhar dela – Me dê a faca.

A ajudante passa a faca suja, entretanto Yulma não a toca e ela vem flutuando, como se uma linha invisível a suspendesse. A bruxa molda em seu rosto, com fúria e escárnio, uma expressão desgraçada. Ela retira o braço do caldeirão e uma névoa vem junto, circulando a parte que antes estava dentro.

– Era preferível ser um aborto do que você, criança tola! – A faca voa e perfura o antebraço de Yulma que fala gritando mais alto – Por sua incompetência seu pai vai lhe casar com qualquer outro para ter um rei!

A princesa chora, segura o rosto com uma mão e mantém a outra fechada contra o peito. A ajudante arregala os olhos impressionada, a faca sai sozinha e procura outro local no antebraço para entrar, Yulma passa a ficar rubra e sua voz cada vez mais histérica.

– Se ao menos tivesse mostrado aptidão para governar! – A princesa se debruça sobre a penteadeira e geme mais alto, chegando até soluçar. A faca se retira do braço, banhada em sangue, e se enfia bem no meio da mão de Yulma que fecha a boca em um estalo e diz de forma mais contida e irada – Tamanha é sua negligência que nem sabe se uma boa esposa vai conseguir ser!

A princesa respira fundo, do jeito que consegue e, entre soluços, ela levanta o rosto vermelho para se olhar na prata do espelho. A faca se torce lentamente na mão de Yulma que com uma careta de dor horrorosa, diz palavra por palavra:

– Melhor seria se você pudesse sumir desse mundo!

E como se tivesse ouvido uma piada muito engraçada, Yulma se põe a gargalhar terrivelmente. A faca voa e começa a esfaquear seu braço e antebraço compulsivamente. A princesa se mexe e, de um salto da cadeira, derruba o espelho como se quisesse ferir a si mesma. Ela prende o cabelo em um rabo de cavalo ainda com lágrimas lhe descendo pelo rosto e pega de seu baú uma capa marrom com flores brancas.

A velha Yulma começa a girar loucamente, com a faca lhe perseguindo e lhe furando o braço. O sangue escorre e suja a roupa da velha que gargalhava sonoramente. O chão da casa já era pura névoa saída do caldeirão e cobria os pés dela, dando a sensação de que flutuava, num show de balé pavoroso.

A menina refletida no caldeirão joga longe a capa marrom. Arranca a colcha da cama, a usa como uma capa, escondendo o rosto e sai desesperada do quarto, cruzando os corredores de pedra a passos largos. As camareiras não dão atenção, sempre ocupadas com alguma limpeza. Os guardas, nos pontos estratégicos no interior do castelo, pareciam não perceber alguém que saía com pressa.

O castelo fora erguido em volta de um pátio que dava acesso ao portão principal. Lá o movimento era grande, homens carregando sacas de um lado a outro, a maioria entrando. Moradores da cidade indo e vindo pagar seus tributos. Nobres vindo tratar de negócios. Ninguém prestou atenção à menina embaixo de uma capa estranha, parecendo mais um servo malvestido.

– Esta vindo para nós! – Fala a ajudante empolgada espiando o caldeirão. Yulma parecia não ouvir, estava no fim de seu êxtase, a faca havia parado de se mover e caiu no chão.

A garota anda ligeiramente e atravessa o portão principal chegando aos dois vigilantes que estavam antes da ponte, um deles estranha a menina ao passar rápido por ele e se vira para ela dizendo “Ei”. Nesse momento a princesa corre. Yulma se aproxima do caldeirão parecendo exausta, ainda sorria, mas estava mais feia do que antes, o nariz parecia ter crescido e o queixo ficou pontudo. O braço imóvel, estava ensanguentado e ainda havia uma névoa em torno dele que se ligava ao caldeirão.

– Menina! Pare aí!

Os dois guardas foram atrás dela, os dois do fim da ponte levadiça vieram pela frente, bloqueando a passagem. Um pedinte, coberto por um manto, se move curioso. A princesa acelera a corrida, puxa o lençol do corpo e o lança como uma rede em cima do vigilante, esse se atrapalha e com um jogo de corpo ela passa por ele empurrando-o na direção do outro. O guarda que estava descoberto fez esforço para não cair no fosso junto com o parceiro, os outros dois passam por eles no encalço da garota.

Quando estava para sair da ponte, virando o rosto por cima do ombro para ver os guardas, a princesa não percebeu o pedinte oculto no manto revelar ser duas criaturas pequenas, uma sentada nos ombros da outra, a de cima portando uma besta engatilhada. Eram feios e verdes, carecas e com grandes orelhas pontudas. A criatura em cima apontou e disparou uma seta que atingiu o ventre da princesa. Ela desacelera a corrida, confusa, o sangue lhe faltou no rosto, seu vestido azul começa a umedecer.

Um vigilante passa direto pela princesa e arremessa uma lança nas criaturas que se separam e por um triz não são atingidas, o outro vigilante socorre a princesa nos braços, sem saber o que fazer. Os outros dois que se atrapalharam chegam para dar auxílio.

– Estamos sob ataque!

– Princesa Melanir!

As criaturas verdes se separam correndo por baixo dos balcões dos vendedores, se evadindo pela feira. O guarda com a espada na mão corre atrás deles, outro com a lança vem junto dando reforço. A imagem no caldeirão se distorce, fica menos nítida.

– Essa foi fácil – a ajudante diz sorrindo satisfeita para o caldeirão

O fogo se apaga, a névoa ao redor do braço ferido de Yulma de desfaz. O chão aos poucos começa a ficar visível e o caldeirão volta a ter a aparência de água suja, mas não parecia quente.

– Fácil para você sua prostituta! – Yulma responde, irada. A faca voa do chão veloz e crava no pé da ajudante que solta um grito bastante agudo.

– Aaaaaah! Porque fez isso?

– Cale a boca e traga o unguento com agulha e bastante linha de costura.

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