Quando falamos de RPG de mesa, a maioria das pessoas associa imediatamente com aventuras épicas em terras medievais, salvando princesas e matando dragões. Mas não só do High Fantasy vive o RPGista!
Existem todos tipos de histórias: assustadoras, emocionantes, dramáticas… E no RPG não é diferente. E temos diversos exemplos disso, como o Vampiro: A máscara, com seu horror pessoal, Chamado de Cthulhu: Horror cósmico e investigação, CyberPunk 2020 (dispensa explicações) … e por ai vai.
Pode ser muito fácil reconhecer um gênero logo que uma história nos é apresentada, mas para se contar uma história que prende os ouvintes, é essencial que tenhamos uma compreensão mais profunda dos elementos fundamentais do gênero em questão. Conhecer os componentes e convenções do gênero, dão ferramentas poderosas para montar uma história interessante, e que pague o que prometeu!
O gênero é a forma da história, uma macroestrutura, contendo a estrutura geral do roteiro. E cada um deles possui suas próprias características e convenções, estas ligadas diretamente às expectativas do público.
Quando você assiste um filme de terror, que sensações ou sentimentos você espera ter? E o que você sente quando suas expectativas não são alcançadas?
Quando nos deparamos com uma obra, geralmente de cara criamos uma expectativa quanto ao gênero da obra, se vamos ver um filme de terror esperamos que seja assustador, quando lemos um drama, esperamos nos sentir tocados pelos acontecimentos ali narrados. Esperamos instintivamente ver elementos comuns, entre obras de mesmo gênero. Como o monstro no filme de terror, o cowboy no faroeste, a perseguição no filme de ação e a nave espacial na ficção cientifica.
Ao criar uma história em um gênero especifico, seja para sua mesa de RPG, um conto, um livro, HQ ou até mesmo para um filme, você deve conhecer o coração, a alma e as tripas desse gênero. Afinal, cada parte do processo criativo será influenciado por isso: o conceito, desenvolvimento dos personagens, o plot(enredo), tom, atmosfera… Cada gênero possui seus padrões, linguagem e atributos comuns, e você precisa conhecê-los a fundo, assim poderá usá-los a seu favor, seja seguindo-os, ou quebrando-os.
Por convenção, podemos chamar esses elementos de Beats.
Beats do gênero
Os beats são os eventos que tornam o gênero o que ele é. São os elementos que combinados fazem o gênero de uma história ser reconhecível.
Alguns exemplos de beats são:
Terror
O mundo não é o que parece: um vislumbre precoce do monstro, ou uma sugestão de que o monstro existe.
Colocando-os no caminho: Os personagens fazem uma escolha que os coloca em rota de colisão com o monstro.
O aviso: As personagens têm a oportunidade de voltar atrás, mas escolhem não fazê-lo.
Shit Gets Real: Pode ser a primeira morte ou quando uma atividade seriamente assustadora começa; independentemente disso, é quando o perigo se torna evidente e inevitável.
Confronto Fracassado: As personagens tentam destruir o monstro, mas ainda não possuem a capacidade de fazê-lo.
Caçando a Fera: Pela primeira vez, as personagens se aproximam do monstro, em vez de fugir dele. Elas pretendem por seu plano em pratica e acabar com o monstro.
*O monstro não necessariamente é uma criatura sobrenatural assassina, o monstro aqui, representa todo o desconhecido e todo o perigo que pode ser utilizado pra esse tipo de gênero.
Suspense
O que está em jogo: Algo importante é colocado em jogo, pessoas estão sumindo, morrendo, algo de grande importância está acontecendo e seus protagonistas não podem deixar que isso aconteça.
Ou então: Se o protagonista não desvendar o mistério, achar o culpado, o que acontece? Mais uma vítima? Ele perde seu emprego e é afastado do caso? O peso do “ou então” deve ser pesado para o protagonista, deixando-o angustiado, revoltado…
Tic tac: Uma contagem regressiva cria suspense. O tempo está se esgotando, se os personagens não agirem rápido algo irreversível acontecerá.
O famoso “dibri”: Apresente pistas falsas, informações irrelevantes, a incerteza eleva o suspense.
E o que acho difícil de você ver num RPG mas só para caso de estudo:
Romance
O medo de amar: Mesmo que os personagens pareçam perfeitos um pro outro, devido a um evento passado, os personagens têm medo de se envolver, de perder sua liberdade.
A primeira troca de olhares: É onde a química entre os personagens acontecem, onde o caminho do romance começa a ficar mais crível. Onde mostramos o que gera essa atração, geralmente elementos internos das personagens.
Atração e repulsa: Quando a ficha de que as personagens estão apaixonadas. A ansiedade e o medo de ser rejeitado começa a aparecer.
O primeiro encontro: Auto explicativo. É um dos pontos de maior clímax da história, então seja criativo!
E por aí vai…
*Os beats são elementos já conhecidos e estudados por grandes autores utilizados para a devida construção dos gêneros, mas lembre-se que nós estamos tratando de arte, e pode haver um best seller que não utilize nenhuma dessas técnicas, afinal, escrever histórias não é fazer um bolo.
Esses são apenas alguns exemplos de elementos que podem ou não estar presentes em sua história.
Se quiserem saber mais comenta aí que trazemos mais beats!
Dominando os Gêneros!
A melhor forma de dominar os gêneros é estudar e pôr na pratica, seja escrevendo ou narrando. Consuma o máximo de obras do gênero e subgêneros que deseja trabalhar. Anote as semelhanças, diferenças, tente entender a estrutura dessas obras. A capacidade de identificar os elementos e temas de cada gênero irá lhe ajudar na hora de criar suas próprias histórias, que tom usar, que abordagem, que recursos narrativos lhe ajudaram a trazer os sentimentos desejados… Além disso entender profundamente o gênero irá lhe permitir subverte-lo, quebrando convenções, misturando gêneros de forma inovadora.
A mistura de gêneros é algo que você definitivamente vai querer fazer na sua mesa! Mesmo que você esteja jogando D&D, em um cenário de fantasia medieval, você pode explorar elementos do terror dentro de uma dungeon por exemplo.
É comum vermos bastante suspense no horror pessoal de Vampiro a Máscara, ele combina com o clima e jogos políticos desse RPG. Trazer o fator de urgência para seres eternos é algo que pode coloca-los em perigo, fazendo-os sair da segurança de seus refúgios.
Se você é fã de jogos cyberpunk sabe que muitos pontos altos das sessões são de fato cenas de ação, então porque não bolar uma cena de perseguição dentro de uma grande metrópole, com carros voadores e explosões dignas de um filme do Michael Bay?!
Outra coisa importante para manter sua história nos trilhos do gênero são os
Protagonistas!
Os protagonistas são o foco da história, a narrativa se constrói ao redor deles. Logo você não vai conseguir narrar um suspense policial, se os jogadores não criarem personagens envolvidos com os casos, seja profissionalmente, emocionalmente…
Mas se eles desistirem da investigação quando as coisas ficarem difíceis, ou não tiverem motivações para sequer começá-la, não tem história. Mas e aí? O que você pode fazer como mestre?
Primeiro de tudo, faça uma Sessão 0, reúna os jogadores e converse sobre o jogo que você quer narrar. Se o jogo precisa de protagonistas envolvidos, abra o jogo e conte a seus jogadores o que você precisa deles para que o jogo caminhe como você está planejando.
Isso não quer dizer que eles serão meros marionetes na sua mão. Seu papel nesse primeiro momento é apenas dar um direcionamento para os jogadores. No exemplo do suspense policial:
Avise que o jogo vai se passar ao redor de casos policias, que os jogadores criem personagens com instinto investigativo, que estejam relacionados a isso. Sejam eles policias, investigadores particulares, jornalistas… e caso algum jogador não queria ter uma dessas profissões, você pode sentar e conversar com ele sobre um vinculo pessoal, claro que isso funciona melhor para Oneshots ou campanhas fechadas onde após resolver esse caso esse personagem não fique deslocado no resto da campanha.
O importante é que seus protagonistas, ou ao menos uma parte deles, tenham um perfil que vai lhe ajudar a desenvolver o enredo. Forçar uma situação nos personagens pode ser divertido uma vez, mas todo lugar que eles vão, aparece um monstro e todas as saídas são bloqueadas, aí já é demais, não concorda?
Por exemplo, em um Oneshot de Horror, os jogadores são convidados para uma festa em uma pequena ilha, e durante a festa uma pessoa é encontrada morta. Os jogadores tentam fugir, pegam um carro e vão dar o fora da ilha, mas a única ponte que leva para o continente está quebrada. Os jogadores decidem que vão de qualquer jeito, nem que seja nadando… e é claro que a ilha inteira fica a vários metros do nível do mar, com rochas pontiagudas e ondas violentas.
Okay, meio forçado, mas aceitável pelos jogadores. Mas após isso, você joga-os em outra situação contra a vontade deles, onde eles não querem estar e não têm como fugir, paciência né… Eu duvido que os jogadores vão se divertir com uma campanha forçada assim.
Saiba que tipo de jogo você quer narrar, veja se os jogadores estão interessados na mesma coisa, caso contrário todos ficarão frustrados.
Se os personagens não têm motivações para continuar, talvez seja a hora de acabar esse jogo e partir para outro.
Se você pretende manter uma campanha de terror ou suspense, é imprescindível que os personagens mesmo que tenham medo, mesmo que queiram desistir e abandonar tudo, tenham motivações para enfrentar os monstros e continuar a investigar.
Então é isso, se esse texto foi de alguma utilidade para você, se quer mais dicas sobre RPGs de gênero deixe um comentário e nos vemos no próximo post!
Ah e anota ai 600 de XP!