Subindo o Nível Cultural – Poderes Difusos

Após 10.000 anos, resolvi responder nosso leitor que questionou como seria narrar um RPG em que o poder não se centra em uma figura (Gustavo Conopca). Primeiramente gostaria de afirmar que TODOS já jogaram jogos em que o poder se encontra em mais de uma figura, apenas não exploraram todos os caminhos.

Vamos dizer, se o Rei de um mundo medieval te chama para acabar com o ritual de um necromante em um vilarejo próximo. O poder não está centrado apenas no Rei, existe o poder do necromante. E outra… se o Rei pediu para um grupo de jovens aventureiros resolverem tal problemática é porque o tem problemas maiores, talvez sejam mais de um ritual, em mais de uma vila e um sumo-sacerdote maligno ameaça tomar o reinado.

Ok, mas nesse caso existe um enredo maniqueísta, o sumo-sacerdote é maligno e o Rei é do bem. Escolher um lado entre eles é escolher ser um herói ou um vilão. O poder difuso é melhor utilizado quando não existe essa história de bem e mal. Todos os jogadores de Vampiro a Máscara conhecem bem o que eu estou dizendo sobre poderes difusos e personagens poderosos nem malignos, nem benignos, nem o branco nem o preto e sim vários tons de cinza ou tons mais escuros.

Poderes Difusos Antagônicos

Todo poder pressupõe resistência. O poder não está em uma pista de mão única. O poder não tem uma única fonte nem uma única manifestação. Tem, pelo contrário, uma extensa gama de formas. Quando um grupo social é capaz de apoderar-se dos mecanismos que regulam determinada manifestação a põe a seu serviço e elabora uma estrutura que se aplica a potenciais dominados.

Vampiro a Máscara tem os melhores exemplos de todos… Você está em apuros e precisa de informações, você conhece dois informantes rivais, independentemente de quem você solicite ajuda, vai ter que pagar com favores, favores esses que provavelmente vão minar a influencia do rival na cidade.

Mas nenhum dos dois são heróis ou vilões, ambas são criaturas que seguem seu próprio interesse, escolher um lado não vai te fazer melhor ou pior. E o poder se torna difuso nesse momento, onde há o poder na mão de mais de um personagem e o jogador vai escolher entre eles gerando complicações, facilidades e repercussões diferentes.

Mas você deve estar pensando, mas o poder não está com informantes e sim com o príncipe da cidade. Não pense pequeno, o poder não é algo tátil, ele existe assim que há uma relação.

Poder

Varys_and_Tyrion-LannisterLembra da charada do eunuco Lord Varys, para Tyrion Lennister de Game of Thrones:

Se o Rei, um homem rico e um clérigo estiverem numa mesa discutindo e à porta está um homem com uma espada. A discussão se intensifica e o Rei levanta e diz ao homem :

– Mate-os em meu nome.

O clero se levanta a ponta e diz:

– Mate-os em nome de Deus.

O homem rico responde:

– Mate-os e eu lhe farei um homem rico.

O Que o homem armado fez?

Fazendo uma longa história curta. A resposta é: “depende”…

Depende de que tipo de homem era este que estava na porta com a arma. Ele era religioso? Ganancioso? Leal ao reino?

O poder está onde você acredita que ele esteja. Levantando a obra Microfísica do Poder de Michel Foucault. Para o autor, o poder não é algo que se possa possuir. Portanto, não existe em nenhuma sociedade divisão entre os que têm e os que não têm poder. Pode-se dizer que poder se exerce ou se pratica. O poder, segundo Foucault, não existe. O que há são relações, práticas de poder.

Voltado ao Vampiro a Máscara, o poder está com os informantes ao ponto em que os jogadores precisavam de informação. Se informação era o necessário para eles se manterem vivos, de que adianta procurar o Príncipe? Ele pode até ter informações, mas não as vende, não ajudará em nada.

Ou seja, o poder não se encontra apenas no campo político, mas como também no cotidiano. O poder é, em essência, uma personagem que atravessa todos os cenários da vida humana, ou não humana, dependendo da mesa de RPG.

A ideia é que o poder se gera e materializa em uma gama extensa de relações pessoais desde as quais se leva a constituir estruturas impessoais. Se ao analisar o discurso existem normas que regem nossa percepção, devem existir, por sua vez, mecanismos que possibilitem que se estruturem e se reproduzam.

Mas eu não quero saber disso, sendo poder ou não, quero saber de um local que tem vários tipos de poderes. E eu não estou falando do cotidiano, estou falando do político mesmo.

É só você pegar a mesma perspectiva e colocar no macro, ou seja, voltado para o exemplo de Vampiro a Máscara, se os informantes possuem rivais, quiçá o príncipe. Ele pode ter rivais abertos, ou até mesmo traidores. Sem contar os Anarquistas organizados, os Vampiros do Oriente e o Sabbá que desejam tomar esse poder.

Colocando um exemplo de um mundo medieval, imagine Game of Thrones, na guerra dos cinco reis, o trono possuía inimigos abertos e velados.

Um exemplo menos exagerado que uma guerra, é o senado/conselho estar querendo tomar todo o poder político e transformar o Rei em imagem figurativa.

Poderes Paralelos

Para que fique claro, algumas pessoas chamam o crime organizado de poder paralelo, não é deste poder que eu estou falando. Quando falo de poder paralelo, estou me referindo a outras fontes de poderes que não são antagônicas ao poder principal.

luisdourado_lesson1Imaginemos as cidades estados gregas, do tempo da Grécia antiga. Existia o Senado, composta de anciãos, existia o Rei e dependendo da cidade haviam os sacerdotes e profetas. Eles tomavam decisões sobre a cidade, mas não trabalhavam antagonicamente e sim paralelamente.

Agora vamos tratar de exemplos de games. Para a devida utilização de múltiplos poderes, sejam eles paralelos ou antagônicos, você deve criar tais poderes, “quem são? e o que querem? E por que?” são perguntas que devem ser respondidas de maneira clara. Não precisa falar para os players, apenas saibam.

Assim fica fácil saber como as relações de poderes irão fluir. Os personagens, já criados pelo mestre irão agir independentemente das ações dos jogadores. Podendo cruzar ou não interesses e forjar ou não alianças e inimizades.

O segundo passo é criar múltiplos caminhos e aberturas para os jogadores escolherem e que suas escolhas devem ter consequências pesadas, sejam elas boas ou ruins.

Eu tentei fazer o texto mais simples possível, mas se há algo que queira complementar, ou perguntar, fiquem a vontade.

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Gustavo Conopca

Muito bom. Estou começando a narrar agora Guerra dos Tronos RPG e estou conseguindo explorar melhor essa difusão. Uma situação interessante de ser explorada são vassalos de um mesmo lorde com rivalidade entre si. E ainda as escalas de poder (rei, lordes, herdeiros)

r2pg

Isso mesmo, e ai começa a complicar, então é sempre bom ter um caderninho para fazer anotações sobre os PdMs, mas como dito no texto, muita gente não vai ter tempo para ficar criando todos esses detalhes, então é mais sábio não envolver muitos PdMs caso você não esteja seguro de que vai dar conta. xD

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