Um cyberpunk noir
Ano 2042, quase 45 anos após a bomba antimatéria acabar com a Terceira Guerra Mundial e com a camada de ozônio. A violência evolui mais rápido que a tecnologia. Um detetive particular que nasceu na época errada pode ser a única chance de o mundo não piorar mais ainda.
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Under a Killing Moon é o terceiro jogo de uma série de adventures com o protagonista Tex Murphy. A Access Software o lançou em 1994 para DOS, Windows e Macintosh. Continha 4 CDs e esbanjava qualidade em cutscenes FMV e cenários 3D. A mistura do cenário digital e atores reais e a abundância de texto falado revolucionaram os jogos da época.
A série
A Access lançou o primeiro jogo estrelando Tex Murphy, Mean Streets, para vários retro-PCs em 1989. O jogo conta o primeiro caso do jovem detetive particular que acaba de abrir o próprio escritório. Feitos inéditos, como gráficos VGA com 256 cores e tecnologia que permitia que audio digital fosse reproduzido sem placa de som externa dividiam espaço com cenas live action. Em 1991 foi a vez de Martian Memorandum, que manteve a qualidade do predecessor.
Os dois títulos já eram protagonizados pelo criador Chris Jones e mostravam um Tex parecido com o
James Bond do cinema: sério e habilidoso. A partir de Under a Killing Moon, Aaron Conners passa a co-escrever os jogos e dá ao personagem uma ar mais parecido com o James Bond dos livros: meio atrapalhado e à mercê da sorte. O tom de melancolia realça a veia de film noir da série daí em diante.
Depois de UKM
Em 1996 e 1998 mais dois títulos foram lançados. Em 1999 a Microsoft compra a Access e a partir de então passa por diversas mudanças até fechar em 2006. Em 2012 a nova empresa com os criadores da série começa a produzir uma nova aventura para Tex, The Tesla Effect. O novo jogo saiu em 2014 com os mesmos atores e envolvidos em geral nos jogos de mais de 15 anos antes.
Aaron Conners lança livros dos jogos Under a Killing Moon, The Pandora Directive (o quarto da série) e The Tesla Effect, divergendo um pouco dos jogos e dando um ar ainda mais melancólico.
Universo
Os jogos se passam em meados do século XXI, em uma Terra devastada pela bomba antimatéria solta pelos EUA na Terceira Guerra Mundial em 1998. A camada de ozônio foi severamente afetada e metade dos ecossistemas do planeta deixaram de existir. A radiação que a atmosfera não conseguia mais repelir afetou geneticamente uma parte da população, deformando-os e criando mais uma etnia para o censo – ‘mutantes’.
‘Mutantes’ e ‘norms’ eram agora as duas classes que representavam os oprimidos e os opressores. Tex é um norm, mas simpatiza com a rejeição dos mutantes e vive na velha San Francisco, a parte esquecida da cidade que abriga a maioria dos mutantes e pessoas de classe baixa. A partir de 2043, inverte-se o horário de trabalho para noite e de descanso para o dia, para aproveitar o período com menos radiação.
A tecnologia é praticamente a da época da criação dos jogos com mais performance. Máquinas de fax, CDs e telefones fixos com câmera embutida são dos mais comuns de se encontrar. Carros voadores, ou speeders, existem há alguns anos, mas são itens muito proibitivos para serem vistos a cada esquina.
Poucos desses detalhes são implicados diretamente nos jogos e são um pouco mais visíveis nos livros. A arquitetura é um ponto muito estudado pelos desenvolvedores e parece não ter evoluído muito desde a guerra, assim como a tecnologia. O maior avanço parece ter sido a exploração em Marte e na Lua.
Fortemente inspirado nos filmes de Humphrey Bogart, um dos grandes nomes da era film noir, várias referências a seus filmes estão espalhadas pelo universo de Tex Murphy, ele mesmo grande fã do ator.
Enredo
Tex acaba de se separar de sua esposa adúltera e começa a viver de caso em caso em seu escritório de detetive particular/escola de dança. Certo dia uma tal Condessa Renier o contrata para reaver uma
estatueta roubada. Tex encontra e furta o item de uma temida figura no mundo do crime – Eddie Ching, mas antes de chegar à condessa ele é atacado e perde a estatueta. Ao voltar de mãos vazias para sua cliente, encontra a casa fechada como se não fosse usada a muito tempo. Depois de investigar mais a fundo, a estatueta se mostra o alvo de uma sombria seita que pretende limpar o mundo de toda imperfeição.
A busca por quem quer que esteja por trás da ameaça divide lugar com objetivos que em outros jogos poderiam ser secundários, mas que são necessários para progredir em UKM. Eles envolvem a maioria dos personagens que sempre ajudam o jogador de alguma forma.
A história é bem desenvolvida e cheia de reviravoltas, entretendo do começo ao fim. A atuação é muito boa e facilita a identificação do jogador com os personagens. Há várias respostas gravadas para as mesmas perguntas, o que evita que as conversas fiquem repetitivas. O cenário é uma peça importante na história e Tex comenta quase todos os objetos do jogo.
Game Design
O jogo é um adventure, o que envolve explorar ambientes e coletar/usar itens. A perspectiva é em primeira pessoa com gráficos poligonais em 3D. Muitos objetos são interativos e os ambientes são variados de uma fábrica abandonada a uma colônia espacial.
A interação com outros personagens se dá ao ir aos lugares em que eles se encontram ou clicando neles. É possível fazer perguntas sobre assuntos ou pessoas já revelados na história e mostrar itens aos questionados. A troca de favores é a lei no ramo da investigação privada.
Quebra-cabeças são outro grande fator do gameplay. Tanto em itens quanto em cenários, desafios de lógica são guardiões de peças chave para se prosseguir na trama.
O jogo se serve de atalhos no teclado para mudar a resolução a qualquer momento. Isso facilita a exploração de ambientes e evitava sobrecarregar as placas de vídeo da época. O som é digital, e ao contrário de seus predecessores requisita uma placa externa devido à qualidade dos arquivos. A música é em MIDI e dispensa placa de som externa, o que também aliviava as Soundblaster 16, então em voga entre os pcistas.
Música
Matt Heider compôs a música, que puxa mais o lado noir do jogo. Instrumentos de jazz vão da melancolia ao humor em diversas partes. Algumas exceções dão o ar de um filme de ação mais moderno às suas cenas. 38 faixas compõem a trilha sonora, que não foi vendida separadamente.
Ao explorar uma área a música não fica em loops contínuos, mas acaba e recomeça depois de um bom tempo de silêncio. Como as músicas de exploração são sutis como as de um elevador, o silêncio não perturba o jogador. As músicas relacionadas aos personagens são mais carregadas de emoção e também acabam, mas seu fim é discreto por trás dos diálogos.
Livro
Aaron Conners publicou o livro de Under a Killing Moon dois anos após o lançamento do jogo. Tex narra a história com um tom mais adulto e um pouco menos irônico. Seu vício por cigarros preenche bastante espaço da narrativa e explica como ele passa dias sem comer por falta de dinheiro. Alguns
personagens e lugares mudam, como a condessa Renier sendo uma senhora idosa e Eddie Ching morar na Cidade do México ao invés dos EUA.
As quase sidequests do jogo são omitidas e alguns eventos modificados para dar tirar drama de onde Vitor Hugo tirou filosofia.
O livro foi originalmente publicado em inglês, francês e alemão juntamente com o livro do jogo seguinte, The Pandora Directive.
Perigo, estilo e melancolia
A saga Tex Murphy é cheia de boas ideias e de gente competente para executá-las. O salto tecnológico de Under a Killing Moon é um dos pontos mais marcantes da trajetória. O projeto de revisitar a série com Tesla Effect prova que ainda não é tarde para desfrutar esses jogos incríveis.
Os livros ainda adicionam mais cor ao retrato, se bem que cores sóbrias e sérias. Como todo bom livro nunca perdem a majestade e merecem ser lidos até por quem não se interessa pelos jogos.
Links
Unnoficial Tex Murphy – um acervo maravilhoso de tudo sobre a série
Download do jogo – já configurado para os Windows modernos
Livros direto do site de Conners – à venda em formato digital, impresso e audiobook
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